Portugalid[Arte] #93
uma viagem com Luísa Costa Gomes, as músicas da semana, Ruído, Favàritx, Pata de Ganso, um podcast e três episódios, Lénia Rufino e sugestões culturais
[estante cápsula]
Visitar Amigos e Outros Contos, Luísa Costa Gomes
A capa minimalista poderia ter passado despercebida, mas aquele tom azul prendeu-se ao meu olhar. Mais tarde, dei por mim a recordar o título e foi assim que decidi aventurar-me no livro de Luísa Costa Gomes, considerado um dos melhores de 2024.
Gatilhos: Violência; Linguagem Explícita
Visitar Amigos e Outros Contos compila treze contos inéditos, sem terem um aparente fio condutor, mas cujos temas encontram forma de se cruzarem, sobreporem e, até, estabelecerem pontes que lhes atribuem alguma continuidade. Assim, revisita ideias, «linguagens de época», «heranças e renovações», num misto de contemplação e de perplexidade, com doses leves de humor e de acidez na sua escrita cheia de camadas.
Estava curiosa com a prosa da autora e com a pluralidade de assuntos, mas tive uma experiência de leitura oscilante: por um lado, agradou-me a crítica, a exposição de problemas sociais numa cadência pouco convencional e o facto de nos provocar um certo desconforto em algumas passagens, porque não podemos continuar dormentes, no entanto, por outro, não me consegui entrelaçar profundamente a maior parte dos contos, porque senti que se prolongavam para além do necessário. Os inícios tinham a capacidade de me arrebatar, deixar quase sem fôlego, mas depois iam perdendo fulgor.
Há apontamentos bonitos e delicados, e acho interessante como tão depressa concede espaço para refletirmos sobre mudanças de casa, como nos inclui em conversas sobre «gatos, hospitalidade forçada e solidão». Se calhar, foi uma má gestão de expectativas da minha parte ou não o li no tempo certo, porque não resultou comigo. Ainda assim, tenho de destacar: A Ditadura do Proletariado, O Menino-Prodígio e Visitar Amigos.
🎧 Banda Sonora: A Vida Que Se Cala, Mão Cabeça | Meu Amigo, Que Saudades de Te Ver, Os Quatro e Meia | Lembras-te de Mim?, Nena & Carolina de Deus | Eu Vi Este Povo a Lutar, José Mário Branco
[gira-discos]
A playlist da semana inclui: Tão Perto (Rapaz Ego), Telefone Estragado (Nena), Fogueira (Jimmy P), Chove, Dá Flor? (Trista & Tristany) e Cacau (Deejay Telio & Slow J).
O gira-discos toca: Na vdd, (Matheus Paraizo) e Mão Quente (Mão Cabeça).
[caixa mágica]
Ruído
As imagens promocionais, pelo seu caráter cómico, transportaram-me para o universo da série Último a Sair - um autêntico marco televisivo, que nos deixou pérolas como «o mundo não é isto, o mundo é bué cenas». Ainda assim, as diferenças são óbvias e creio que se entende, desde o começo, que a nova produção da autoria de Bruno Nogueira, escrita em parceria com Carlos Coutinho Vilhena, Frederico Pombares e Luís Araújo, permanecendo no espectro do humor, nos permitirá refletir sobre censura e liberdade.
Ruído apresenta-nos um mundo distópico, no qual foi criada uma lei que proíbe o riso, no qual «foi retirada a liberdade para expressar qualquer tipo de alegria em público». Assim, neste crescente ambiente de medo e de desconfiança, um grupo de atores e de argumentistas decidiu «criar um movimento de resistência clandestina, para que as pessoas possam rir em segredo». O resto, como o nome revela, será somente ruído.
A comédia tem o poder de transformar a realidade em que vivemos, portanto, sermos privados da sua essência é, no fundo, vermo-nos a ficar privados de certos direitos, por mais básicos que nos pareçam ser. Se nos impedem de rir, se restringem aquilo a que podemos achar graça, se nos limitam ao ponto de sentirmos necessidade de olhar por cima do ombro, não passaremos de máquinas programadas para agirem consoante um padrão, para agirem de acordo com aquilo que é considerado politicamente correto.
É um argumento ficcional, no entanto, passei a maior parte do episódio a pensar como seria habitar uma sociedade com estas características. Eu que tenho riso fácil, que sou capaz de me rir das coisas mais parvas, que uso o humor como mecanismo de defesa e dialeto para relativizar determinadas situações, percebi que teria muitas dificuldades para sobreviver sem pagar multas sucessivas. Por outro lado, se as consequências se revelassem piores com o tempo, creio que o medo acabaria por me paralisar e, aí, já não existiram motivos de preocupação, mas também deixaria de ser a pessoa que sou.
O primeiro episódio inicia-se com um interrogatório e, naturalmente, o objetivo de cada um dos intervenientes é não confessar o que fizeram, mesmo quando forem confrontados com imagens/informações que os comprometam. Essa desconstrução, no meu ponto de vista, está exímia, até porque nos mostra diferentes formas de reagir perante o mesmo problema. Além do mais, ao termos esse momento intercalado com sketches, conseguimos compreender a dimensão do movimento e o quanto as pessoas precisam de rir, sem estarem preocupadas com as repercussões dessa escolha livre.
Com um elenco fabuloso, acho impressionante como algumas cenas nem parecem ser filmadas, ou seja, como fica a sensação de estarmos a ver imagens reais e não atores a interpretar um papel para o qual ensaiaram a fundo. Sinto que esta dinâmica é mesmo sagaz, envolvendo-nos ainda mais com o contexto e com aquele grupo revolucionário.
Ruído coloca-nos no lado da clandestinidade, ao mesmo tempo que nos faz pensar na quantidade de condicionantes que parecem pairar no humor. E não me refiro à velha questão de quais são os seus limites, refiro-me, sim, ao facto de ser «cada vez mais visto como algo a combater», como indicou Bruno Nogueira, sobretudo se tocar em temas sensíveis. Embora não pretenda fazer da série um manifesto político, faz-nos pensar nessa vertente e, acima de tudo, refletir sobre aquilo «que poderia ser feito se, um dia, o riso fosse mesmo proibido», priorizando sempre o lado do entretenimento.
O humor é desconcertante e estou muito curiosa para perceber até onde escalará.
Favàritx
O Farol de Favàritx é um dos lugares mais emblemáticos e visitados de Menorca por causa da paisagem envolvente: «Os mais românticos definem-na como [uma] paisagem lunar; já os científicos referem-se ao lugar como um ponto rochoso de ardósia negra». Além disso, é o palco da mais recente produção luso-espanhola transmitida pela RTP.
Favàritx é uma série policial que cruza «um desaparecimento com assassínios em série e redes de narcotráfico». O alerta sobre o desaparecimento da Vereadora Laura Vidal provoca agitação: não tanto por ser uma figura influente, mas por isso revelar um caso ainda mais complexo. Portanto, neste cenário de crime e desconfiança, a dificuldade maior será compreender a origem de certas ligações e em quem se poderá confiar.
Sou suspeita, mas gosto bastante de enredos que nos deixam na dúvida, que nos fazem olhar para as personagens com cautela, porque não conseguimos garantir que existe verdade no seu diálogo, ainda que nos pareça credível. E é interessante perceber como é que este jogo de sombras se desconstrói e como é que universos paralelos têm tantas linhas transversais, como é que se interligam egos, motivações e negócios obscuros.
Outro aspeto que me cativou neste primeiro episódio foi o facto de não enredarem. É certo que temos várias interações dúbias e que não conseguimos decifrar a dimensão do problema, mas fica óbvio que há uma vasta rede de pessoas implicadas no processo e que é necessário dar passos inteligentes. Ademais, também se torna evidente que a lealdade é um conceito moldável às situações, sobretudo se sentirem o cerco a apertar.
A premissa talvez não seja a mais original, porque já vimos como o tráfico de droga é capaz de contaminar diferentes ambientes e corromper valores, não obstante, acho que Favàritx tem potencial e quero perceber como é que alguns caminhos se cruzaram.
Pata de Ganso, Pedro Teixeira da Mota
Pedro Teixeira da Mota, neste terceiro solo, concentra-se nas suas próprias limitações e fragilidades. Quando fui ver o solo ao vivo, partilhei a experiência no número 27 da newsletter, por isso, vou poupar-vos a repetições de ideias, mas venho alertar para o facto de o humorista ter disponibilizado o espetáculo no seu canal de Youtube. Claro que já aproveitei para o rever e para descobrir expressões e micro dinâmicas que não são tão percetíveis na plateia, e reforcei o quanto tinha achado o texto extraordinário.
[biblioteca sonora]
Mixórdia de Temáticas
Ricardo Araújo Pereira está de regresso à Rádio Comercial e ao Mixórdia de Temáticas. Sendo-vos muito honesta, sinto que chegou melhor do que nunca. Que preciosidade!
Sobre Chorar a Dançar o Esquema c/Dagu
Os vídeos do Dagu foram-me aparecendo nas sugestões de forma pontual e, apesar de não o acompanhar, achei-lhe imensa graça. No episódio de segunda-feira (05/05), foi o convidado da Rita e do Guilherme, no Terapia de Casal, e quase chorei a rir com eles.
Cultas e Vinho Verde
A Inês Meneses é voz residente nos meus podcasts e gosto sempre muito quando se reúne com outras personalidades que me inspiram, de alguma forma, nas suas áreas. Uma das convidadas mais recentes foi a Ana Markl e é claro que não perdi a conversa.
Mudar Por Amor?
Benedita Pereira foi a mais recente convidada do Voz de Cama, podcast de Ana Markl e Tânia Graça, «para responder a um ouvinte que gostava de reconquistar a sua ex». Sinto que trouxe reflexões muito interessantes, mantendo o seu tom cómico e leve.
[cartaz]
Lénia Rufino: Apresentação de Silêncio no Coração dos Pássaros
O primeiro livro da Lénia Rufino, O Lugar das Árvores Tristes, foi lançado numa altura delicada, porque coincidiu com a pandemia. Por esse motivo, as apresentações foram suspensas e perdeu-se esse momento tão valioso de partilha entre o autor e os leitores. Quatro anos depois, com Silêncio no Coração dos Pássaros a chegar às nossas casas, não queria mesmo perder a oportunidade de a ouvir falar sobre esta história extraordinária.
A sessão de apresentação foi conduzida pelo Álvaro Curia e achei mesmo interessante a análise que ele trouxe, porque foi fazendo uma viagem por vários elementos centrais da narrativa, entrelaçando-nos ainda mais à história, às suas mensagens, aos detalhes que a destacam e demonstram a evolução da escrita da Lénia - e que concedem espaço para reflexão. Aliás, sinto que o Álvaro é bastante generoso na forma como interpreta o texto, mostrando a atenção e o cuidado que tem durante todo o processo de leitura - e sem estragar a experiência de leitura a quem for à apresentação sem ter lido a obra.
Foi maravilhoso escutar a Lénia a falar sobre a construção de Silêncio no Coração dos Pássaros, a explicar a ideia, a sua intenção com determinadas situações, as ligações, os cuidados que tem durante o processo de escrita e, inclusive, aquilo que não pretendia explorar naquele enredo. E creio que foi ainda mais bonito porque havia um brilho diferente na sua forma de comunicar, de nos puxar mais um bocadinho para o livro. Eu já tinha ficado rendida, e tenho quase a certeza que será um dos meus favoritos do ano, mas esta apresentação deu-me ainda mais razões para achar a história sublime.
No final, houve tempo para autógrafos e para conversar mais um pouco com a autora. Só espero encontrá-la mais vezes pelo Porto, porque sinto que ouvi-la nos enriquece.
[bilheteira]
O Bairro da Comédia
O Bar Cargo 111, no coração do Bairro Alto, terá noites de Stand-Up às segundas-feiras. Assim, hoje (12/05), às 21h, O Bairro da Comédia recebe talentos emergentes e comediantes veteranos. O bilhete tem o custo de 7€.
Concerto Mesa
Os Mesa estão de regresso aos palcos e atuam dia 15 de maio (quinta-feira), no Lux Frágil, às 22h30. Os bilhetes têm o custo de 15€.
Melancólico Dançante
Valter Lobo sobe ao palco da Casa das Artes de Miranda do Corvo, dia 16 de maio (sexta-feira), às 21h30. Os bilhetes têm o custo de 10€.
Apresentação de Apesar do Sangue
A Rita da Nova começa a tour de apresentação do seu mais recente livro, Apesar do Sangue, e a primeira paragem é na Biblioteca Palácio Galveias (Jardim Lisboa), dia 17 de maio (sábado), às 15h.
Um Gelado Para o Fim do Mundo
A Capicua sobe ao palco do Cine-Teatro Avenida (Castelo Branco), no dia 17 de maio, às 21h30, para apresentar o seu mais recente álbum. Os bilhetes custam 15€.
Concerto João Só e Tiago Nogueira
Os dois artistas atuam no Jardim do Palácio Baldaya (Lisboa), no dia 18 de maio (domingo), às 17h. Os bilhetes têm o custo de 17,50€.
«A liberdade é o terreno mais fértil para a construção de laços entre seres»
[in Apesar do Sangue, Rita da Nova]