Portugalid[Arte] #69
uma viagem com Martim Sousa Tavares, as músicas da semana, A Próxima Personagem, Casa de Campo, Coisa Que Não Edifica Nem Destrói com Guilherme Fonseca, sugestões culturais e o Era Uma Vez do mês
[estante cápsula]
Falar Piano e Tocar Francês, Martim Sousa Tavares
O modo como nos relacionamos com a arte pode assemelhar-se a um funil ou a um caleidoscópio, porque ou nos agregamos a um estilo muito específico ou optamos por estender os nossos horizontes ao máximo. Isso não implica descartarmos tudo o que não nos move ou gostarmos de tudo o que ouvimos/lemos/observamos, apenas mostra que nos vamos redescobrindo, cimentando a nossa identidade. No seu livro de estreia, Martim Sousa Tavares funciona como um mediador entre essas realidades - e não só.
Falar Piano e Tocar Francês compila três conceitos que, na sua essência, não se esgotam em ramificações: arte, cultura e humanismo. E é fascinante como, a partir das suas experiências profissionais e pessoais, o maestro procura estabelecer elos entre os três. Por mais que nos pareçam associações improváveis, resultam muito bem, porque a forma como estrutura os seus raciocínios, molda os seus pensamentos e encontra simbolismos e memórias que encaixam em determinadas reflexões agrega-nos. Portanto, ao longo de dezassete capítulos, somos embalados numa onda de encanto.
Por outro lado, sinto que este livro é um exercício de liberdade interessante pela quantidade de pontes que constrói entre os temas, mostrando-nos que as nossas preferências podem ser antagónicas e coexistir em perfeita harmonia. Além disso, incentiva-nos a sermos críticos e a exercermos uma observação mais atenta daquilo que nos rodeia, partindo sempre desta noção: «a beleza está no olhar de quem a vê».
Martim Sousa Tavares, mediando o leitor entre as diferentes formas da beleza e as distintas manifestações artísticas, não se exclui do processo. Ou seja, não se limita a apresentar os factos, permite-nos conhecer os seus pontos de vista e as suas emoções. E desempenha esse papel sem nos fazer sentir que a sua análise é que é a correta, a única possível face àquele assunto. No fundo, é como se também ele fizesse parte do público e estivesse só a partilhar sensações, tal como faríamos com os nossos amigos.
Um aspeto que acho mesmo fascinante é o facto de a sua escrita ser um espelho da pessoa que é. Passo a explicar: é inegável que o maestro tem imenso mundo e muita cultura geral, no entanto, em nenhum momento é condescendente com o leitor, em nenhum momento o estupidifica, fazendo-o sentir-se inferior por não ter acesso a certos meios ou conhecimentos, até porque não partimos todos da mesma casa. Há um discurso cuidado, por vezes, quase filosófico, mas é claro na mensagem. Podemos não reconhecer todas as referências, no entanto, isso não condiciona a experiência de leitura. Sobretudo, porque também percebemos o entusiasmo com que fala sobre elas. Ademais, Martim Sousa Tavares tem imensa graça e isso transparece nas divagações.
Onde começa a arte? Qual o seu propósito? A função do mediador poderá ou não condicionar a nossa perceção? Haverá limites para a sua intervenção? Mesmo sem chegarmos a respostas fechadas, sinto que vamos refletindo sobre todos estes pontos; refletimos sobre diversidade, sobre o individual versus o coletivo, sobre estética, sobre ética, sobre clássico versus contemporâneo e sobre quem somos tendo em conta os nossos gostos artísticos. E existe sempre a beleza a revestir todas estas camadas.
Falar Piano e Tocar Francês é tão abrangente que há espaço para conversarmos sobre partituras, cidades, memes, filmes e David Bruno. Sinto que foi enriquecedor viajar por este livro e sei que voltarei a ler capítulos específicos por terem entrado para a lista de favoritos, como é o caso de A Beleza Está no Olhar de Quem Vê, Viver em Évora, Tão Mau Que é Bom e Em Defesa das Bactérias. Embora exista uma certa continuidade nos textos (nas ideias), podem ser lidos autonomamente, pela ordem que nos satisfizer. E a arte também é isso: sermos capazes de encontrar o nosso lugar e o nosso ritmo.
🎧 Música para acompanhar: Bebe & Dorme, David Bruno
[gira-discos]
A playlist da semana inclui: Aniversários (João Couto), Agora é Hora (André ViaMonte & Mimicat), Algo Mais (Milhanas), Manto Azul (Malva & Mimi Froes), Que Fossem Flores (João Não), Ruin You (Gui Aly) e Perdoei - alter (Rita Onofre & Ned Flanger).
O gira-discos está a tocar: Imperfeito V2 (Agir), Nos Tempos Livres (João Só).
[caixa mágica]
Próxima Personagem
O João André continua o seu percurso artístico, mesmo quando não está sob as luzes da ribalta. Neste documentário, onde há uma clara intenção de deixar memórias para o filho Afonso, embarcamos numa jornada oscilante entre a paternidade, as dinâmicas interpessoais e a tentativa de encontrar a sua próxima personagem. Se pode parecer estranho? Pode. Contudo, gostei do conceito, até porque nos faz refletir sobre aquilo que achamos relevante e sobre a maneira como os nossos encaram as nossas ideias, como nos compreendem (ou não). Além disso, sinto que há um traço muito genuíno e humano naquilo que ele foi condensando. Estou curiosa para assistir à segunda parte.
[gavetas]
Casa de Campo Handmade
A Adriana foi minha caloira na ESE, mas não é só por isso que vos trago o seu novo projeto. Trago-o porque, mesmo que os caminhos se tenham desencontrado depois da faculdade (o que é perfeitamente natural), existem coisas que dificilmente se perdem: a sua criatividade e a sua atenção ao detalhe são exemplo disso. Portanto, se procuram peças em cerâmica fria, feitas à mão, acredito que encontrarão aqui os artigos certos - e podem ser a opção ideal para mimarem as vossas pessoas na quadra que se avizinha.
A Casa de Campo abre «a porta à simplicidade e à beleza dos detalhes imperfeitos de cada peça», promovendo a importância de estarmos presentes, diminuindo a distância.
[biblioteca sonora]
Sobre Ser e Não Ser
O Ricardo Araújo Pereira convidou o Guilherme Fonseca para conversarem sobre um super-herói. Se percebi as referências todas? Não, mas adoro o entusiasmo com que conversam sobre coisas que lhes interessam, porque isso envolve-nos no tema.
[bilheteira]
Freakshow Doubles
Vitor Sá e André Pinheiro atuam dia 28 de novembro (quinta-feira), no Auditório CCOP (Porto). Têm uma sessão às 20h30 e outra às 22h30, ambas com bilhetes a 15€;
Teste de Stand-Up
O Luís Franco-Bastos (e convidados) abriu datas para testar stand-up: no dia 29 de novembro (sexta-feira), atua no Lisboa Comedy Club (The Famous Grouse Room), às 19h, com o bilhete a custar 14€. Já no dia 30 de novembro (sábado), atua no Cem Soldos (Tomar), às 22h, com o bilhete a custar 13€;
Prisma
Em exclusivo na RTP Play, a série ocorre num único dia, «visto de cinco perspectivas diferentes: a artista Vera Mendes, a galerista Ana Rebelo, o coleccionador João Maria Cardoso, a jovem artista Clara Rocha e o crítico de arte Rui Alves. Estes cinco olhares sobre os mesmos acontecimentos contestam a existência de uma verdade absoluta»;
Dois Pares de Botas
Nena e Joana Almeirante, que partilham o gosto pela música country, juntam-se para um concerto no Casino da Póvoa - Salão D’ouro (Póvoa do Varzim), no dia 29 de novembro. O concerto começa às 22h e os bilhetes variam entre os 15€ e os 22€;
Mais Lixo na Minha Cabeça
Lançamento/apresentação do mais recente livro de Hugo Van Der Ding, dia 30 de novembro (sábado), às 17h, no Maus Hábitos (Porto). A entrada é livre.
[era uma vez, em 2012]
A Convenção sobre os Direitos das Crianças, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal a 21 de setembro de 1990, definiu um conjunto de direitos - e protocolos facultativos - que pretendem dignificar, proteger e assistir qualquer ser humano com idade inferior a 18 anos.
O desenvolvimento da criança depende de alguns fatores cruciais, como o ambiente familiar, a felicidade, a compreensão e o amor. Portanto, torna-se prioritário promover uma ligação harmoniosa entre cada um deles, garantindo a sua preparação na vida em sociedade, «num espírito de paz, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade».
Infelizmente, esta Convenção não é valência suficiente para que a concretização seja respeitada de um modo transversal. Por esse motivo, vemos surgir algumas iniciativas que procuram colmatar as falhas identificadas, sendo uma delas a Missão Pijama.
A MISSÃO PIJAMA
A Missão Pijama foi criada pela Mundos de Vida, em 2012, com a finalidade de «sensibilizar o país para o direito de uma criança crescer numa família», promovendo o seu acolhimento e, desta forma, «reduzir o número de crianças institucionalizadas».
Esta iniciativa tem-se materializado em acontecimentos paralelos e complementares, sempre com o propósito de encontrar soluções, dar esperança e uma noção de futuro. E uma vez que todas as crianças deveriam ter direito a conforto, a aconchego, um dos dias que se celebram é uma extensão desta mensagem: o Dia Nacional do Pijama.
O DIA NACIONAL DO PIJAMA
A essência desta data é, sobretudo, solidária, sendo celebrada por crianças «que ajudam outras crianças». Assim, no dia 20 de novembro, as creches, os jardins de infância e as escolas de 1º ciclo, espalhadas por todo o país (continente e ilhas) - e em países onde existem escolas portuguesas -, recebem miúdos e graúdos vestidos com pijamas de todos os padrões, tecidos e cores. Além disso, são desenvolvidas atividades educativas que contextualizam e fundamentam o objetivo maior desta missão especial.
Os educadores, os professores e os núcleos familiares são, então, convidados a intervir e a destacar um direito que nunca deveria ser posto em causa: o de crescer numa família. Sendo o Dia Nacional do Pijama uma experiência educativa, divertida, onde através do brincar se incutem valores imprescindíveis para conviver em sociedade, creio que também se unifica o elo casa-escola, o que torna o desenvolvimento de cada criança mais seguro e significativo, porque não só compreendem os pilares que nos sustentam, como também identificam as coisas que não podemos dar por garantidas.
No final, que sejam sempre mais aqueles que sentem o aconchego de um pijama e a proteção de uma casa, porque é sinal que estamos a alicerçar os valores certos.
«Já ontem viajava nas palavras» [in Ainda Ontem Tinha Céu, Valter Lobo]