Portugalid[Arte] #68
uma viagem com Maria Teresa Horta, Guilherme Fonseca, Daqui Francisca, cinco episódios de podcast, David Fonseca e sugestões para a semana
[estante cápsula]
Paixão, Maria Teresa Horta
O meu primeiro contacto com Maria Teresa Horta aconteceu quando li Novas Cartas Portuguesas, mas um dos aspetos curiosos deste livro é que os textos não são assinados, por isso, é como se ainda não conhecesse a sua escrita. Atendendo a que queria muito descobri-la, aventurei-me num dos seus exemplares de poesia que me aconselharam.
Paixão revela-nos logo a sua essência no título, no entanto, sinto que não nos prepara para a viagem emocional presente em cada verso. Em novembro de 2019, a poetisa perdeu «o amor de uma vida» e os poemas que encontramos aqui são, por um lado, uma homenagem a Luís de Barros e, por outro, a sua forma de lidar com a perda, com a ausência. Portanto, embalados num tom apaixonado, também fazemos parte de um processo de catarse, com todas as oscilações e a intensidade que o mesmo implica.
Dividido em quarto partes, como se fossem fases de uma vida em comum ou fases de um luto que é sempre tão íntimo e individual, conquistou-me de imediato, porque são poemas cheios de sentimento, que tão depressa nos deixam devastados, como nos deixam leves. Na simplicidade da escrita, Maria Teresa Horta faz-nos sentir tudo.
Este livro lê-se quase num sopro, contudo, é de uma humanidade e sensibilidade comoventes, uma vez que orbitamos pela saudade, pela solidão, pelo nervosismo, pelo desejo, pelo que nutrimos pelo outro, pela antecipação, pela felicidade pura, pela presença que se mantém, mesmo que haja uma morte para chorar. E em nenhum momento esconde a vulnerabilidade dos seus sentimentos. Na lista de poemas favoritos, tenho de destacar Paixão, Vulnerável, Saudade, Desnorte e O Teu Cheiro.
Paixão é uma ode ao que não se esquece, por mais que o coração esteja ferido, porque há memórias que não pretendemos perder. Regressarei a estes versos que unificam.
🎧 Música para acompanhar: O Teu Cheiro, Bispo
[gira-discos]
A playlist da semana inclui: Temos Pena! (Nena), Entrelinhas (Agir), Quero Ficar (Filipe Karlsson & Mishlawi), A Morte Saiu à Rua (Gisela João), Ainda Ontem Tinha Céu (Valter Lobo) e Quarto Azul (Perpétua).
O gira-discos está a tocar: Beira Mar - Live (Tiago Nacarato & Caiña Cavalcante), Last Night In Amsterdam (The Black Mamba) e Chuva (Diogo Piçarra).
[caixa mágica]
Leiria Não Existe
Os argumentos apontam para um cenário muito claro: Leiria não existe. E no grupo das teorias da conspiração, devo confessar, achei particular graça a esta, porque até cheguei a passar férias nesta cidade portuguesa. Aliás, podia jurar que tem uma das minhas livrarias favoritas e que estive lá no verão. Ou será que foi tudo imaginado?
No livro Deve Ser, Deve, Guilherme Fonseca tem um capítulo dedicado à não existência de Leiria e, agora, une-se à Samsung «para demonstrar, através das ferramentas Circle to Search da Google e IA do Galaxy S24», que não estamos perante um mito urbano. Existem inúmeros indícios a corroborar a teoria em questão, portanto, o melhor talvez seja acompanharmos o humorista nesta missão imprescindível e tirarmos as teimas.
No total, teremos acesso a quatro episódios, disponíveis semanalmente, e o primeiro centra-se na história «precoce e obscura» da cidade. Nos próximos, serão abordados outros conteúdos e também poderão ser colocados desafios aos próprios leirienses.
Dinâmica, cómica e descontraída, há detalhes preciosos nesta produção. Aconselho.
[gavetas]
Rumor: Murmúrio Geral Proveniente de Indignação ou de Descontentamento
As notícias que nos chegam do mundo da música - do teatro, do cinema - não têm sido as mais animadoras, principalmente, por espelharem uma realidade que continua a ser abafada no meio e por serem mais uma prova da impunidade dos agressores face à vergonha e ao trauma das vítimas. Neste seguimento, Francisca Camelo abriu-nos as portas da sua newsletter para «revisitar momentos marcantes […] dos últimos anos».
Há muitas opiniões que se difundem sobre o assunto, nem todas vindas de um lugar empático, algumas vindas de um lugar de privilégio que não permite compreender as verdadeiras consequências do abuso de poder, da inércia, do medo que não diminui com o tempo. O que mais me atraiu na partilha da Francisca não foi só a capacidade de voltar a algo tão doloroso, mas também o facto de nos consciencializar para as várias partes deste processo de denúncia, que nunca é linear e isento de desgaste (a diferentes níveis). Além disso, na sua franqueza e vulnerabilidade, creio que criou um espaço seguro para que outras mulheres saibam que o seu silêncio não será julgado e que as suas vozes serão ouvidas, caso sintam que é o momento de conversarem.
Vejam na conta da Francisca Camelo como podem subscrever a Daqui Francisca.
[biblioteca sonora]
A lista desta semana incluiu cinco episódios, com a particularidade de voltarem a ser todos de conversas: uma sobre marketing editorial, outra sobre Luís Vaz de Camões, outra que junta duas artistas que escalaram rápido para a lista de favoritas, ainda outra que interliga recomendações literárias e livros que associam a expressões da Geração Z e, por fim, uma conversa muito esclarecedora com Futuro Presidente.
Livra-te #146 com Marta Maia da Costa e Magda Filipe
Coisa Que Não Edifica Nem Destrói: Sobre o Maior Humorista Português
Capicua Conversa com Francisca Camelo
Só Se Estraga Uma Estante: Liderança, Imigração Latina e Slaaaay
Watch.tm #75: Plutónio
[cartaz]
Still 25
A vida é feita de ironias: embora tivesse a referência, não cresci próxima de Silence 4. Excluindo um tema ou outro, não era o grupo musical que enchia a casa. Mais tarde, numa carreira a solo, David Fonseca também não me despertou essa atenção e passei muito tempo sem escutar as suas canções. Honestamente, não vos sei explicar o que me afastava do seu registo, apenas sei que não era um artista que procurasse incluir na minha banda sonora. Só que neste processo de descobrir a minha identidade, em todas as camadas que a compõem, percebi que foi um nome que conquistou o seu espaço. Por isso, foi com zero surpresa que acabei no Coliseu do Porto a assistir ao concerto.
Still 25 marca o regresso de David Fonseca, para uma travessia «pela sua carreira de 25 anos», através de uma abordagem original, que «cruza música, performance e cinema». No fundo, interliga diferentes formas de contar esta história tão rica em pormenores, segmentos e memórias. Além disso, convida-nos a descobrir referências, «a sua visão artística» e o processo criativo, sempre de um modo intimista e muito relacionável.
Eu sei que não teria esse termo de comparação, caso não tivesse ido, mas, agora, tenho a certeza de que me arrependeria se o tivesse perdido, porque foi uma noite belíssima e emocional. Posso ou não ter-me comovido em alguns temas (é evidente que lágrimas foram choradas, quem é que quero enganar?): não só pela intensidade dos mesmos, mas também pela envolvência da sala, pela emoção de quem vibrou em cada segundo.
Não me recordo da última vez que estive no Coliseu a assistir a um espetáculo (e o mais provável é ter sido algum festival de tunas), portanto, já não tinha presente a acústica do espaço. E este foi, para mim, o ponto menos positivo, embora o artista não tenha culpa, porque houve partes que não se perceberam tão bem (sobretudo, aquelas em que falou) e a visibilidade ficou comprometida em algumas zonas. No lugar onde ficamos, excluindo momentos muito pontuais, tivemos alguma sorte nesse aspeto.
Tendo em conta a construção do concerto, creio que a experiência teria sido mais uniforme se tivesse acontecido numa sala com outra estrutura. Por oposição, uma das coisas que mais adoro no Coliseu é mesmo a proximidade que se cria entre o público, como se estivesse numa pequena bolha. E sei que me arrepiei em determinados temas, precisamente, por sentir a força daquelas pessoas todas a cantarem em uníssono.
Independentemente do que referi antes, é inegável que este concerto foi uma viagem inacreditável, pensada ao detalhe e com um equilíbrio perfeito entre música, presente e nostalgia. Ademais, tenho de referir o dinamismo do espetáculo, com uma narrativa psicadélica, interativa e futurista, provocando uma onda de energia contagiante. Se soubesse que não comprometeria a visibilidade de quem estava na fila atrás da minha, tinha ficado em pé durante a maior parte do concerto, porque convidava-nos a dançar.
O David Fonseca transbordou naquele palco: não só pelo talento e pelas coreografias originais, mas também pelo humor sempre presente nas suas interações/partilhas. E fê-lo durante duas horas e vinte, sem qualquer quebra de ritmo e generosidade. Still 25 foi tudo o que eu não sabia que precisava de ouvir, contudo, arrebatou-me em cada batida. Que venham muitos mais vinte e cinco. A partir daqui, já não lhe largo a mão.
[bilheteira]
O Pai Natal Não Vive no Polo Norte, Afonso Cruz
Livro com entrega prevista a partir de hoje (18 de novembro). Deixo-vos com uma parte da sinopse: «Se é verdade que o Natal é uma quadra em que as boas intenções e o espírito de solidariedade e generosidade são veiculados, também é verdade que a profundidade do sentido primordial do Natal tem vindo a dar lugar a uma superficialidade e consumismo que transforma a compra de presentes na adulteração do que deve ser a manifestação de amor ao próximo»;
Montanha e Utopia, Gonçalo M. Tavares & Danuta Wojciechowska
O décimo volume da coleção Missão: Democracia é dedicado à Constituição. Está em pré-lançamento, com entrega prevista a partir de dia 19 de novembro (terça-feira);
O Misantropo
O espetáculo de Hugo Van Der Ding e Martim Sousa Tavares, a partir de Molière, estará em cena no Teatro Tivoli BBVA de 22 (sexta-feira) a 28 (quinta-feira) de novembro. A sessão de dia 24 (domingo) é às 16h, enquanto as restantes estão marcadas para as 21h (dia 25 não há). Os bilhetes variam entre os 10€ e os 22€;
Anónimo Não é Nome de Mulher
Uma peça que resgata histórias silenciadas de mulheres internadas em hospícios, «dadas como loucas por desafiarem as normas», «presas, torturadas, esquecidas», dia 22 de novembro, às 21h30, no Teatro de Vila Real. Bilhete com o custo de 5€;
O Elevador
A adaptação cinematográfica do livro homónimo de Filipa Fonseca Silva tem estreia marcada para dia 23 de novembro (sábado), no Cinema Fernando Lopes (Lisboa), às 18h15. A sessão tem entrada gratuita, mas está sujeita a reserva de bilhetes. Para além da exibição do filme, ainda está pensada uma conversa com os autores.
«Tanta vertigem/de nada/tanto nada que magoa» [in Paixão, Maria Teresa Horta]