[estante cápsula]
Um Quarto em Atenas, Tatiana Faia
O livro de Tatiana Faia foi um dos que veio morar cá para casa, aquando da campanha da Tinta da China para celebrar o Dia Mundial da Poesia (em março). Dos quatro, só me faltava descobrir este e, agora que terminei, é uma autora à qual farei por regressar.
Gatilhos: Um tom mais fatalista
Um Quarto em Atenas compila poemas escritos em várias cidades estrangeiras. Talvez por isso, auxiliando-se da energia de cada uma delas, encontremos tons e realidades tão distintas. Talvez por isso encontremos versos que oscilam entre a ironia, a instabilidade, o fatalismo e a jocosidade, até porque nenhum lugar é isento de contrastes. E esta constatação, sendo honesta, também se pode aplicar às pessoas.
Nos agradecimentos, a poetisa refere que «nunca se sabe muito bem onde um poema começa», visto que «a barreira entre pensar sobre literatura e escrever é sem dúvida uma ténue parede através da qual se pode conversar». E eu quis incluir esta passagem, porque acredito que é isso que os seus poemas fazem: conversar. Por esse motivo, tão depressa nos perdemos nos clássicos, como transitamos para séries da atualidade. Lemos sobre composições musicais, filmes, poetas e obras de arte. Sentimos o desejo do desconhecido, o medo, o impacto da crise e as implicações da memória. E retiramos o tabu da sexualidade, dos (des)amores e das questões socio-políticas.
Há um toque de descrença em determinadas observações, mas também é fascinante acompanhar a importância e o significado que atribui às pequenas coisas. Utilizando uma linguagem comum, próxima, mas sempre atenta ao que inquieta o (seu) mundo, tece uma manta com múltiplas referências: nem todas transversais, muitas delas a conseguirmos enquadrar no nosso quotidiano, até porque nos implicam. O mais interessante é que pode ser por as sentirmos na pele ou por só termos curiosidade.
Explorando a noção de civilização e transportando, para os seus versos, «personagens, situações e deslocamentos», nem Portugal escapa ao descontentamento. Não obstante, é evidente que o nosso país serve para cruzar memórias e culturas - ou será que são elas que nos relembram dele? Seja como for, o certo é que seguimos o jogo e a maneira brilhante como desconstrói cenários, combinando alianças improváveis.
Um Quarto em Atenas reserva-nos uma vista privilegiada para vários pontos. E é como se, todos os dias, pudéssemos abrir a janela e encontrar uma nova paisagem.
🎧 Música para acompanhar: Back In The Crowd, Tom Waits
[gira-discos]
A playlist da semana inclui: Lego (Janeiro & André ViaMonte) e Quando Alguém Falar (Diogo Clemente & Cristóvão Bastos).
O gira-discos está a tocar o EP Olhar P’ra Baixo (Iolanda).
[caixa mágica]
Sempre - Trova do Vento Que Passa
César é um cantautor conhecido, exilado em Paris, e um dos «mais celebrados pela oposição», até porque a sua música é de intervenção. Tendo conhecimento do que se passa em Portugal, pretende regressar e aliar-se à luta, embora Maria, a sua namorada, discorde da decisão, talvez por não compreender a sua necessidade de estar perto.
A viagem, para além de perigosa, torna César um alvo fácil para a PIDE, mas isso não o demove. Primeiro, porque acredita que é ali que tem de estar e, segundo, porque precisa de criar perto dos amigos portugueses. Ademais, quer sentir-se útil. A ideia de cada um lutar como pode é ampliada e esta é a sua maneira de contribuir para a causa.
A música é, sem qualquer dúvida, a protagonista deste episódio, pela sua importância a unir pessoas e por ter sido um marco no dia mais bonito da nossa história, o 25 de abril. É impressionante como as palavras são o impulso que tantas vezes precisamos para, enquanto sociedade, entrelaçarmos valores e não permitirmos que nos silenciem. Muitos correm atrás do sonho que é viver da música, outros, sem que o planeassem, veem as suas canções a serem utilizadas como senha de mudança. Seja qual for o rumo que esta estrada leve, a música tem uma força impossível de ignorar.
Por outro lado, creio que Trova do Vento que Passa nos deixa a refletir sobre a capacidade de ceder e de estar ao lado das nossas pessoas, mesmo quando não partilhamos da sua visão. Até que ponto é que é simples fazê-lo? Será que em algum momento usaremos essa cedência como arma de arremesso? Quanta mágoa/revolta caberá nessa decisão? Fui colocando estas questões enquanto via as cenas entre o César e a Maria, porque também eles se vão confrontando com pensamentos a orbitar nesse plano. Por vezes, mudamos toda a nossa vida para caber nas ambições do outro; por vezes, queremos tanto fazer parte de algo maior, que não deixamos margem para que a outra pessoa queira fazer um caminho diferente. Mais cedo ou mais tarde, acredito que tudo isso pesará, porque compreenderão em que lado querem ficar.
O mais impressionante, para mim, é ver como é que estes pólos narrativos se cruzam. E como, no fundo, são todos motivados pela mesma matriz: a liberdade. Com testemunhos de Diana Andringa, Júlio Pereira, Sérgio Godinho, José Martins, Irene Flunser Pimentel, António Costa Santos, Isabel Moreira, Alice Fernandes e Aurora Rodrigues, fica claro que todos nós temos uma música que associamos a Abril.
[bilheteira]
O Meu Pai Voava, Tânia Ganho
O novo livro de Tânia Ganho está em pré-lançamento, com entrega prevista a partir de dia 9 de julho (terça-feira).
Concerto da Carminho
A fadista sobe ao palco do Centro Cultural Olga Cadaval - Auditório Jorge Sampaio, para apresentar o disco «Portuguesa». O concerto está marcado para dia 11 de julho (quinta-feira), às 21h. Os bilhetes vão dos 15€ aos 30€.
«O caminho é frágil e eu trago bagagem» [in Olhar P’ra Baixo, Iolanda]