Portugalid[Arte] #25
uma viagem com Miguel Esteves Cardoso, Diana Pinguicha, Bumba na Fofinha, Matilha, Rui Malvarez e Ponto 2
[estante cápsula]
A Minha Andorinha, Miguel Esteves Cardoso
O último livro que tinha por ler do Miguel Esteves Cardoso (um dos meus autores casa) foi descoberto devagar, entre pausas de almoço e salas de espera, porque é sempre maravilhoso voltar às suas crónicas e prefiro ir adiando a despedida.
Gatilhos: ironia
A Minha Andorinha transporta-nos para 2006, quando o autor voltou a publicar «após alguns anos de ausência». Neste hiato, houve características que nunca perdeu e, talvez, que até se apuraram: a ironia, a atenção ao detalhe e o sentido de oportunidade.
De acordo com o MEC, é na distração que está a felicidade e estes textos pretendem honrar essa imagem, desviando-a um pouco mais. Por isso, tal como uma andorinha, continuam a voar, apesar de tudo, e a conquistar um lugar cativo nas nossas memórias.
É inegável que os textos não me arrebataram com a mesma intensidade. Ainda assim, acho fabuloso como consegue pegar em coisas tão suas e criar uma narrativa plural - quanto mais não seja, porque nos permite lê-las e refletir sobre elas. Por outro lado, aborda questões transversais, cimentando a intemporalidade das suas palavras: existem retratos que nos servem hoje tal e qual como nos serviam há dezoito anos. E essa certeza tem tanto de inspirador como de preocupante, naturalmente.
Focando-se nos nossos costumes e na nossa língua, continuo a acreditar que não há alguém que nos critique e nos estime tanto como Miguel Esteves Cardoso. «A Cor de Portugal» e «Parabéns Obrigados» foram as minhas crónicas favoritas.
🎧 Música para acompanhar: Porto Sentido, Rui Veloso
A Maldição de Rosas, Diana Pinguicha
A literatura fantástica não tem tido espaço nas minhas leituras. E não é que isso aconteça por um motivo transcendente, é só porque tenho querido explorar outros géneros que me fascinam mais. No entanto, o livro da Diana Pinguicha deixou-me com vontade de quebrar esta tendência e sair da minha zona de conforto literário.
Gatilhos: Autoflagelação, Distúrbios Alimentares e Homofobia
A Maldição de Rosas é um retelling da lenda do milagre das rosas, protagonizado por Isabel de Aragão, que consiste na transformação de pães em flores. Certo dia, D. Dinis decide surpreender a rainha durante uma das suas caminhadas e pergunta-lhe o que esconde no regaço. Isabel responde-lhe «são rosas, meu senhor». Nesta narrativa, a premissa respeita o mesmo propósito, mas acrescenta-lhe uma abordagem audaz: afinal, «uma futura rainha não se deveria apaixonar por uma mulher».
Achei muito interessante esta decisão, sobretudo depois de ler a nota da autora. Ter histórias que apostem em vários tipos de representatividade é importante, até para evitar que tantas crianças, tantos adolescentes cresçam a acreditar que são estranhos, que há algo de errado consigo, que não há um lugar que lhes pertença. Descobrir quem somos já é um processo demasiado complexo, não é necessário perpetuar estereótipos que nos obriguem a esconder a nossa verdadeira identidade. E creio que a literatura pode ser uma via muito válida para quebrarmos esses muros. Confio que a história da Isabel consegue abrir essa porta e ajudar a que não se sintam oprimidos - ou, pelo menos, que comecem a encontrar mecanismos para se fazerem ouvir.
Outro aspeto que achei fascinante foi a reflexão entre maldição e bênção, e a forma como a nossa perspetiva nos pode posicionar mais de um lado do que de outro. Portanto, gostei de acompanhar o crescimento da protagonista neste contexto e ver como aprendeu a transformar uma condição aparentemente adversa, quase de desgraça, num benefício em prol da sociedade e dos mais desfavorecidos.
No entanto, acabei por não me relacionar em pleno com a narrativa, porque senti o início demasiado lento. A segunda parte foi mais dinâmica e envolvente, mas a primeira ficou muito presa à mesma ideia, transmitindo a sensação de estarmos a andar em círculo. Por consequência, fez com que a concretização e a parte central desta história carecesse de mais detalhe. Aprecio muito quando o autor não nos conta tudo e nos vai mostrando conforme o encadeamento da ação, porém, aqui, precisava que me tivesse contado melhor algumas decisões, alguns acontecimentos.
A Maldição de Rosas não foi tudo o que pensei, mas foca aspetos como a culpa e o processo de aceitação. No mesmo enredo, aborda temas como a autoflagelação, a homofobia e os distúrbios alimentares, mas também como a solidariedade, a compaixão e a condição da mulher. Senti falta de um pouco mais de equilíbrio entre as duas partes, mas guardo aquilo que, para mim, foi o melhor: o desabrochar de Isabel.
Por vezes, só precisamos de um pouco de magia para nos redescobrirmos. E essa magia pode ser o olhar de quem nos aceita ou a audácia de não calarmos a nossa voz.
🎧 Música para acompanhar: The Curse, Agnes Obel
[gira-discos]
A playlist desta semana inclui: Vestir a Camisola (Joana Espadinha)
Já são conhecidos os temas para o Festival da Canção 2024! No total, estão 20 a concurso e, depois de os ter escutado, criei uma playlist com os meus favoritos, na qual tenho vivido desde que saíram. São eles: Grito (Iolanda), Quarto Para Um (João Couto), Volto a Ti (LEFT.), Criatura (Rita Onofre) e Pontos Finais (Rita Rocha).
Deixo-vos a lista completa. Agora digam-me: já têm alguma canção favorita?
[caixa mágica]
Suar do Bigode, Bumba na Fofinha
O conteúdo digital da Bumba na Fofinha entrou na minha vida há muitos anos, já não sei precisar quantos. E é daquelas artistas que faço questão de acompanhar de perto, não só porque lhe acho imensa graça, mas também porque tem uma capacidade fascinante de equilibrar temas sérios com a sua linguagem cómica, sem que perca relevância e sem que se perca do propósito inicial da abordagem: ter piada.
Quando anunciou o Suar do Bigode, o seu primeiro solo de Stand Up Comedy, nem tive hipótese de comprar bilhete, porque esgotaram em segundos. Portanto, fiquei só a desejar que surgisse uma nova possibilidade de a ver ao vivo. Assim que partilhou a disponibilidade para alugarmos o espetáculo online, foi a oportunidade perfeita.
Na plataforma, há duas modalidades pagas: assistir só ao espetáculo ou selecionar a opção com trinta minutos extra (gravados no Teatro Tivoli), quando estava grávida de sete meses e sem ter «noção do apocalipse que aí vinha». Preferi a segunda, até porque senti que seria um excelente complemento. Não me enganei. Que momento precioso!
O solo foi gravado ao vivo no Coliseu de Lisboa e nem damos pelo tempo a passar, já que monotonia é um conceito que não entra no vocabulário da Bumba. Falando sobre maternidade, histórias de família, ansiedade, encontros, relações longas, depilação, picos de inteligência e tantos temas mais, é um texto muito bem encadeado e cheio de ritmo. Além disso, a Bumba não tem qualquer receio de usar o palco e de ser bastante expressiva. E isso também nos mostra o quanto foi tudo pensado ao detalhe.
Houve música, dança, jogos de luzes e foguinho, tudo para elevar este espetáculo. Mas aquilo que me deixa ainda mais rendida é que podia não ter havido nada disto, que ela continuaria a conquistar a sala e a arrasar naquele palco. Porém, como houve esta combinação de vários elementos, ficou tudo ainda mais hilariante. Queria muito falar-vos sobre o meu momento favorito, mas não vos vou estragar a experiência, prometo.
E o final? Foi mesmo para terminar em grande! Escusado será dizer que, agora, a vontade de a ver ao vivo é ainda maior. Suar do Bigode estará disponível até ao final do mês de janeiro e aconselho muito a que assistam a este espetáculo épico.
Matilha
O anúncio começou a passar na RTP e eu fui logo transportada para a série Sul (2019), transmitida pelo mesmo canal. Por instantes, pensei que pudesse ser uma segunda temporada, mas depois compreendi o porquê desta associação: é que os protagonistas da nova série vêm desse universo, protagonizando uma espécie de spin-off.
Matilha é, então, um drama policial de João Maia, com assinatura de Edgar Medina e coescrito com Guilherme Mendonça e Rui Cardoso Martins. Neste argumento, os holofotes estarão quase todos no casal Mafalda e Matilha, cuja relação antiga já sofreu algumas contrariedades, mas que aparenta estar fortalecida - aliás, inquebrável.
Embora sejam pessoas «com bom coração», a verdade é que o mundo do crime sempre esteve presente na vida de ambos. Agora que parecem estar a encarreirar, a conseguir manter empregos honestos, serão novamente postos à prova, porque a situação económica não é a mais confortável. Além disso, há um elemento da família a precisar da ajuda deles, o que os deixará mais vulneráveis. Ainda só vi o primeiro episódio (sai um novo todas as segundas), mas será uma série para acompanhar, até porque fiquei curiosa com o seu desenvolvimento e com as possibilidades que deixou em aberto.
Quando as situações complicam e é maior o sufoco, tendemos a procurar soluções rápidas, que nos tragam paz. Por vezes, só precisamos de ganhar um pouco mais de tempo para estruturar um plano, mas pode ser nesse limbo que resvalamos. E nem sempre é fácil virar as costas ao caminho mais acessível, nem sempre é fácil resistir à tentação. Matilha e Mafalda não terão o futuro facilitado e as suas decisões poderão comprometer tudo o que conquistaram até então. Até onde estarão dispostos a ir?
[gavetas]
Ponto 2
O Ponto 2, localizado na Avenida de França, na Boavista, foi o espaço escolhido pela Sofia e por mim para uma sessão de escrita. Acabamos por passar a tarde de sábado à conversa, em vez de escrevermos, mas isso não invalida a opinião positiva sobre este café que também é um clube de comédia e acolhe exposições e outros eventos.
Achei o espaço encantador, acolhedor e com um atendimento bastante simpático. O nosso propósito não foi cumprido, mas o Ponto 2 tem as condições ideais para uma manhã/tarde de trabalho, estudo e/ou lazer. Por isso, sei que quero voltar e desfrutar do local para esse efeito. A sala é grande, tem parte exterior e sentimo-nos em casa.
Aproveito só para destacar o maravilhoso cheesecake que provamos.
No final da nossa sessão de (não)escrita, passamos pela Flâneur, que estava com uma Feira do Livro na Livraria. Uma das modalidades era a troca de livros, por isso, aproveitei para deixar Gente Melancolicamente Louca, da Teresa Veiga, e trazer A Solidão dos Inconstantes, de Raquel Serejo Martins. Além disso, de autores portugueses, comprei O Vestido de Noiva, da Filipa Leal, e Supergigante, da Ana Pessoa. E aproveitei os descontos para trazer Canção Doce, de Leïla Slimani, autora que quero ler há muito.
[biblioteca sonora]
Isso Não Se Diz EP.39
Quero destacar este episódio do Bruno Nogueira por dois motivos: 1) pela reflexão tão pertinente sobre a pressão/obsessão dos pais de miúdos que praticam desporto; 2) pelas palavras sobre a Sara Correia, que é uma artista com um talento desarmante.
Sopro, Rui Malvarez
Foram-me aparecendo imagens deste podcast e decidi ir descobri-lo, até porque vi que tinha tido convidados que estimo. Não conhecia o Rui Malvarez e, reconheço, não sei se ouvirei todos os episódios, mas gostei muito dos três primeiros, onde conversou, respetivamente, com a Beatriz Gosta, com o Nuno Markl e com a Bumba na Fofinha. Gostei, ainda, de saber a origem do nome e de perceber que as conversas tocarão em tópicos como decisões, medo, coragem e «a relação com o tempo». Pareceu-me uma abordagem muito descontraída e honesta, portanto, continuarei atenta.
«Feitas as contas, já conto em ficar» [in Volto a Ti, LEFT.]
Já me tinha cruzado com "A Maldição de Rosas", mas fazia ideia da sinopse do livro. Fiquei muito curiosa e acho que vou comprar para ler no próxima mês!
Também quero uma Andreia e/ou uma Sofia na minha vida para fazer umas sessões de escrita, ou (não)escrita 🙏🏻😂
"Sessão de (não)escrita" está ótimo! 🤣🤣🤣