Portugalid[Arte] #111
uma viagem com Lourenço Seruya, as músicas da semana, Espias, dois episódios de podcast, Sérgio Godinho & Os Assessores com Manuela Azevedo e sugestões culturais
[estante cápsula]
Crime na Quinta das Lágrimas, Lourenço Seruya
A neblina dos primeiros dias de setembro convida-me sempre a priorizar uma aura de mistério nas minhas leituras. E, nem de propósito, o desafio literário que tenho com a Sofia encaminhou-se nesse sentido, por isso, reencontramo-nos com Lourenço Seruya.
Gatilhos: Violência, Luto
Crime na Quinta das Lágrimas leva-nos até um dos lugares emblemáticos da cidade de Coimbra, e palco de um amor proibido, para um acontecimento que se espera que siga um destino diferente daquele que tiveram Pedro e Inês de Castro. Alice e Diogo vão casar e escolheram a Quinta das Lágrimas para celebrarem a cerimónia. Com o hotel reservado em exclusivo para os noivos e os convidados, nada fazia prever que, afinal, o sangue voltaria «a manchar as águas da fonte», isto porque Alice desaparece na manhã do casamento e o seu cadáver acaba por ser «descoberto em circunstâncias macabras».
Nesta corrida contra o tempo para encontrar o assassino da noiva, vamos percebendo que as mentiras aumentam, já que alguns dos hóspedes têm segredos que procurarão proteger a todo o custo — o que nos deixa a questionar até onde estarão dispostos a ir para manterem essas informações ocultas. Portanto, embalando-nos num permanente jogo de sombras, o autor plantou todas as sementes para que duvidássemos de cada uma das personagens, sem exceção, construindo as nossas teorias, algo que me fascina.
Devo, porém, confessar que esta história ficou muito aquém do que esperava. Acredito que a escrita do Loureço Seruya tem potencial e que a premissa entusiasma, contudo, senti um certo desequilíbrio no ritmo da narrativa: ora estendia demasiado cenas que não precisavam de tanto detalhe, ora acelerava aquelas que mereciam mais atenção. Em simultâneo, os diálogos pareceram-me forçados e, para mim, houve ocorrências desnecessárias, atendendo a que não acrescentaram profundidade, nem se revelaram úteis para entendermos as motivações dos envolvidos. Infelizmente, terminei com a sensação de que os ingredientes estavam cá, mas que caíram numa fórmula repetitiva.
Crime na Quinta das Lágrimas, apesar de tudo, lê-se bem. Mas, sendo franca, tendo em conta que é o terceiro livro do autor, achei que notaria uma evolução maior na escrita, na construção do enredo e na complexidade das personagens. Não ficam pontas soltas, no entanto, o mistério torna-se previsível e há momentos em que andamos em círculo.
🎧 Banda Sonora: Una Mattina, Ludovico Einaudi | Turn Away and Return, Hammock | Climbing Up The Walls, Radiohead | Flight From The City, Jóhann Jóhannsson
[gira-discos]
As músicas da semana: última valsa (versão acústica), Mary Jane & Puro L | Cá Dentro, Mary Jane & Beiro | Porta 43, Luís Trigacheiro & Diogo Piçarra | teletubbies, YeezYuri & Wet Bed Gang | Placas, DEAU | Longe, Carl Karlsson | 9,99€, Beatriz Pessoa.
Às vezes, parece que chego mais tarde à festa, por isso, esta semana, estive investida num EP e num álbum que foram lançados em março: Desculpa Qualquer Coisa, Icaro | Lista dos Não Convocados (Mixtape), Guga.
[caixa mágica]
Espias
A minha formação, sobretudo do básico ao secundário não me preparou, totalmente, para a história do meu país. Recuando a 1941, Portugal não está em guerra, mas vai-se confrontando com rostos da tragédia. Enquanto a Segunda Guerra Mundial assola o continente, nós vivemos num aparente clima de neutralidade. Não obstante, a intriga diplomática adquire força e há portugueses a servir os Aliados, outros a apoiar o Eixo e os mais ousados a prestar contas a ambos os lados. Nesta batalha silenciosa, onde é evidente a luta pela sobrevivência, percebemos que as movimentações que ocorrem na sombra não são tão inocentes, cedendo espaço à espionagem e à contrainformação.
Estávamos em 2020 quando escrevi este parágrafo introdutório sobre uma das séries que mais me marcou, até hoje, na RTP: A Espia. Cinco anos depois, numa altura em que já não estava confiante de que pudesse assistir a uma segunda temporada, eis que anunciam uma espécie de spin off desta história «de homens contada por mulheres».
Espias é um thriller de espionagem, gravado entre Lisboa e a Figueira da Foz, durante a Segunda Guerra Mundial, numa altura em que Portugal «serve de porto de abrigo e de placa giratória a milhares de refugiados». No entanto, o que está em jogo vai muito para além desse lado humanitário, vai ao ponto de camuflar um palco de interesses e de tentativas subtis de obter «informações vitais para vencer o conflito». É assim que uma rede de espias, recrutadas pelo MI6, entra em ação: por um lado, para descobrir o «posicionamento dos submarinos alemães na Batalha do Atlântico» e, por outro, para «iludir os Nazis sobre os planos futuros dos Aliados», enquanto Salazar «continua a enriquecer os cofres do Estado». A aparente neutralidade do país começa, então, a revelar as suas verdadeiras intenções, embora exista margem para a ambiguidade.
No primeiro episódio, recuamos a outubro de 1942 e reencontramo-nos com caras que já se tornaram familiares, com o entusiasmo de compreender quantas camadas novas trarão para o enredo. Sem querer aprofundar em demasia, dei por mim a pensar que é preciso um certo cinismo para embarcar nesta dança duvidosa: não só porque nunca sabemos quem poderá estar a mentir, mas também porque há valores que são postos em causa. Será que em algum momento se sentem a vacilar pelo peso na consciência? Ou será que estão tão treinadas para esta realidade que isso nem lhes chega a pesar?
Creio que valeu a pena esperar por Espias, sobretudo porque a atenção ao ambiente, ao preciosismo dos diálogos, à tensão social é fascinante. Estou bastante curiosa para ver até onde a ação das protagonistas escalará e que mudanças provocarão nesta guerra — e não só porque o final do primeiro episódio me deixou completamente em suspenso.
[biblioteca sonora]
O Bruno Nogueira esteve a debater um assunto sobre o qual também tenho refletido bastante, enquanto a Bumba na Fofinha foi conversar sobre livros com a Mariana Alvim. Uma vez que foram dois conteúdos que me ajudaram a equilibrar a energia da semana, quis partilhar os episódios convosco — e porque vale sempre a pena ouvi-los.
[cartaz]
Concerto Sérgio Godinho & Os Assessores com Manuela Azevedo
O último dia de Feira do Livro do Porto reservou-nos uma despedida extraordinária, com o concerto de Sérgio Godinho & Os Assessores e Manuela Azevedo. Os últimos raios de sol pintaram o Rossio, enquanto a noite chegava sem pressas, e um mar de gente juntou-se para cantar temas que cresci a ouvir. Este dialeto é, de facto, mágico.
Entre versos que nos contam histórias quotidianas, inquietações, desejos e uma forte crítica social, ao mesmo tempo que nos permitem conhecer personagens icónicas, foi bonito de ver tantas gerações a acompanharem com o mesmo entusiasmo, a fazerem uma festa ainda mais bonita, a prolongarem a poesia que escutávamos desde o palco.
Não sei se foi o primeiro dia do resto das nossas vidas, mas partilhamos todos um certo brilhozinho nos olhos. E, acima de tudo, sentimos a liberdade a passar por ali.


[bilheteira]
Situações Delicadas
Uma mistura entre crime e ironia é o que podemos esperar da nova série de humor negro da RTP, transmitida em exclusivo na RTP Play, com estreia marcada para hoje (15 de setembro). Situações Delicadas conta-nos a história de três amigas, quando um ato de desespero «evolui para uma espiral incontrolável de mentiras, crimes improvisados e paranoia crescente».
Neblina, Ângelo Fernandes
O livro está em pré-lançamento, com entrega prevista a partir de dia 16 de setembro (terça-feira). Deixo-vos uma parte da sinopse: «Um encontro de família provoca um sismo, quando Cláudia expõe um segredo há muito enterrado: um abuso que sofreu há mais de três décadas. Miguel, o irmão, tenta manter-se firme enquanto o chão lhe foge dos pés. O que parecia ser só mais um desentendimento revela-se o primeiro abalo de um terremoto que fará ruir certezas, memórias e afetos».
A Beleza das Pequenas Coisas
O Teatro Maria Matos recebe uma edição ao vivo do podcast de Bernardo Mendonça no dia 17 de setembro (quarta-feira), às 21h, «para celebrar uma década de conversas». Hugo Van der Ding e Beatriz Gosta são os convidados e os bilhetes custam 20€.
Concerto David Fonseca
O artista sobe ao palco do Auditório Municipal de Olhão no dia 19 de setembro (sexta-feira), às 21h30. Os bilhetes têm o custo de 15€.
Concerto Vizinhos
O grupo natural de Évora atua no Auditório Municipal António Chainho (Santiago do Cacém) dia 20 de setembro (sábado), em dois horários: 18h e 21h30. Em ambas as sessões, os bilhetes custam 5€.
Deixem o Pimba em Paz
O espetáculo chega ao Pavilhão Carlos Neto (Leiria) dia 20 de setembro, às 21h30. Os bilhetes têm o valor unitário de 15€.
«Tu que choras com poemas e não com problemas»
[in Sentido de Humor, Icaro]
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